22 de ago. de 2011

1.1. Contextualização


O Projeto Loteamento Dunas (MEMÓRIA DUNAS 2008) [1] teve sua gênese em 1986 por uma ação do executivo municipal através da Secretaria de Governo. A prefeitura naquela ocasião recebeu uma doação, por parte do INSS[2], de uma gleba de 60 hectares de um devedor da seguridade social, e criou um banco de terras localizadas no Bairro Areal, ao lado da comunidade Bom Jesus.
O Loteamento Dunas é um local maior que 50% dos municípios do Rio Grande do Sul, tendo aproximadamente hoje 20 mil moradores. Em 1987 e 1988 foram então entregues como posse os lotes das 03 primeiras ruas, das 29 de hoje, mais a Rua 29 fundos, uma ocupação recente (2008) que ainda não possui as condições mínimas de ambiência urbana (água, luz, lotes e ruas bem definidos), sendo atualmente um dos locais mais desfavorecidos dentro do Loteamento Dunas.
As assistentes sociais da Prefeitura Municipal de Pelotas, em parceria com a Faculdade de Ciências Domésticas da Universidade Federal de Pelotas, no período entre 1989 e 1990 iniciaram um cadastramento de 7.000 famílias que necessitavam de habitação popular na cidade. Seiscentas famílias foram contempladas no primeiro momento.
O lote cedido foi estruturado para atender, primeiramente, a população que vivia ao lado do loteamento, no chamado Corredor do Obelisco, que liga a Avenida Domingos de Almeida e a Avenida República do Líbano (esta última faz divisa entre a região administrativa do Areal e a Zona Norte de Pelotas). A área constituía-se num grande terreno com mato de eucalipto.
O critério usado para a ocupação dos lotes foi feito de maneira que priorizou mães solteiras com filhos, em seguida idosos e casais com filhos (não eram aceitas pessoas solteiras). Segundo o arquiteto Fernando Caetano, que projetou o Loteamento Dunas (Memória Dunas, 2008), a Prefeitura de Pelotas inicialmente planejou a criação de lotes urbanizados, mas devido à troca de governo e à crise habitacional da época, o projeto inicial de urbanização plena não conseguiu sustentar-se e foi abandonado.
O processo de implementar um loteamento organizado chegou quase até a Rua 09. A troca de governo e as pressões geradas por invasões exigiram medidas imediatas, e logo o foco da prefeitura  - repassar lotes com estrutura de ambiência urbana adequada à habitação - mudou e os lotes começaram a ser entregues somente com as medidas geométricas (7 m de frente por 12 m de fundo e sem as mínimas condições de habitação. Naquele momento a prefeitura perdeu o controle e houve uma ocupação geral do Loteamento Dunas, indo da Rua 09 até a 29. Nesta ocupação desordenada não havia ruas bem definidas e nem luz, rede de esgoto, coleta de lixo, iluminação pública, pavimentação, escola, posto de saúde e linha de ônibus; nem mesmo sistema de água existia, o que obrigava os moradores a madrugarem para conseguir água com o caminhão pipa que o SANEP[3], uma vez ao dia, disponibilizava.
Aos poucos as melhorias foram sendo conquistadas, os moradores e moradoras se organizaram através da constituição de uma associação para reivindicar as condições básicas de moradia. A primeira conquista foi a luz, ligada em três ruas no ano de 1990, e em 1991, após várias caminhadas até a prefeitura, foi atendido o pedido de rede de  água. As duas escolas, a creche, o posto de saúde, o CDD, o campo de futebol e as melhorias na estruturas urbanísticas do Dunas são os frutos de um longo caminhar, que está completando vinte e quatro anos em 2011.[4]
No início dos anos 1990 surge a primeira grande luta dos moradores, a construção de uma escola para atender o loteamento. A partir dessa reivindicação, que foi atendida no ano de 1991, formalizou-se a idéia da organização da Associação de Moradores. Como relatou o seu primeiro presidente: o Seu Dadá (falecido em 2010), a Associação de Moradores foi o motor das mobilizações daquele período para a construção da Escola Núcleo Habitacional Dunas, da Escola de Educação Infantil Paulo Freire e do Posto de Saúde (MEMÓRIA DUNAS 2008).
A construção da sede própria demonstrou uma característica marcante dos moradores e moradoras do Dunas: a mobilização e vontade de organização comunitária. O terreno da atual sede da Associação de Moradores foi doado pela prefeitura, e a construção do prédio veio no mesmo período em que iniciou a discussão do projeto Prorenda Urbano. Na época, os moradores que participavam dos cursos de capacitação do projeto  abriram mão da verba da alimentação para comprarem o material de construção,  garantindo a mão-de-obra em sistema de mutirão.
Dentre as mais importantes mobilizações da comunidade via Associação de Moradores, além dos diversos torneios de futebol que serviam para levantar fundos a pessoas desamparadas e assegurar esporte e lazer local, com certeza foi a constituição do CDD.
A criação do Comitê de Desenvolvimento do Dunas se formalizou em 1997 (LIVRO DE ATAS DO CDD, 1997), foi gestado dentro da Associação de Moradores desde 1996, foi o início de uma prática que, a partir da concepção da Cooperação Técnica entre os governos do Brasil e da Alemanha (Prorenda Urbano 1996 - 2001), determinava que a operacionalidade do programa não deveria ser feita por uma pessoa jurídica  como a associação de moradores, mas  por uma instituição do terceiro setor, uma prática organizacional não governamental e laica, com o fim de buscar não só os direito de moradia, mas a organização local e a autogestão para o desenvolvimento da comunidade como um todo.
Esse processo efetivamente desmobilizou o associativismo de moradores, inaugurando uma racionalidade de terceiro setor, uma vontade de desenvolvimento local ao invés de reivindicações pontuais de moradia. A comunidade efetivamente, a partir da constituição do CDD, assume-se nas relações de poder da sociedade e teve que dar conta de seus problemas e de seu desenvolvimento.
Neste momento começaram a ser implementados planos estratégicos de organização local e representatividade não mais no campo exclusivo dos direitos de habitar. Assim, a Associação de Moradores fica abandonada em sua concepção e prática e seus dirigentes tornam-se gestores e gestoras do CDD, que passa a assumir o papel representativo no desenvolvimento local e nas relações de poder daquela comunidade.
Tal situação levou a Associação de Moradores a ficar muitos anos reduzida a uso pessoal e econômico de uma família, sem realizar eleições nem reivindicações no âmbito dos direitos de moradia para a comunidade. Somente em 2009 começou um movimento de retomada da associação pela comunidade local, elegendo então uma primeira gestão que está em curso até o final de 2011.


[1]    Sobre a origem do nome Dunas existem duas histórias, uma por estar aos fundos do Dunas Clube, localizado na Avenida Domingos de Almeida; outra perspectiva é que se chama Dunas devido à cidade estar dividida na época em distritos, e aquele local ser reconhecido como distrito Dunas em função da existência da exploração mineral de areia. Material pesquisado pelo Memória Dunas, projeto organizado pela Faculdade de Museologia da UFPel em parceria com a ONG Amiz, CDD e Uniperiferia, constituíram dois volumes: o primeiro sobre o surgimento do Loteamento Dunas e o segundo sobre a constituição do CDD.
[2]    Instituto Nacional de Seguridade Social.
[3]    Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas.
[4]     Ainda que muitas conquistas tenham acontecido e que o Loteamento Dunas atualmente seja modelo de organização comunitária laica, as reivindicações como rede de esgoto, a rede de água que é desligada quase todas as noites (o que vira cotidiano e se agrava no verão) e a iluminação pública continuam na pauta local, além da problemática da falta de possibilidades e perspectivas de emprego e geração de renda.