22 de ago. de 2011


As análises deste trabalho apontam o PRORENDA Urbano como o principal catalisador do deslocamento do Loteamento Dunas de uma posição periférica e subordinada para uma situação de empoderamento nas relações de poder, tendo na constituição do Comitê de Desenvolvimento Dunas o mais visível mecanismo de poder desse processo e, ao mesmo tempo, o mais presente dispositivo de poder para operacionalizar essa perspectiva ainda hoje.
Podemos traçar quatro grandes momentos que atravessaram a caminhada do Loteamento Dunas e em cada um deles foram produzidos diversos mecanismos e efeitos de poder na sua microfísica, embora não necessariamente possuam continuidade ou uma perspectiva linear no desenvolvimento e desdobramentos do loteamento. Mas de uma forma ou outra produziram o deslocamento do Loteamento Dunas de uma posição periférica e subordinada para uma situação de empoderamento nas relações de poder locais e globais.
O primeiro momento foi no período de 1988 a 1996, que como vimos ocorreram relações de poder pautadas entre moradores e moradoras reivindicando direitos de moradia, numa relação direta de forças com o poder público municipal. A materialidade desse processo pode ser vista a partir de diversos equipamentos públicos e estruturas de ambiência urbana conquistados nas relações de força entre poder público e moradores. O mais visível efeito produzido nas relações de poder locais nesse primeiro momento foi a constituição da Associação de Moradores. Já as suas conquistas mais visíveis são as melhorias de ambiência urbana e a constituição do CDD.
O Segundo momento foi de 1996 a 2001, por ocasião da implementação do PRORENDA Urbano. Nesse período foram produzidos diversos mecanismos para o fortalecimento da organização comunitária como o CDD, o Colegiado do PRORENDA e o Fundo Comunitário. Esses mecanismos serviram para materializar um discurso pautado na ruptura da condição de subordinação periférica a partir do desenvolvimento da autonomia e autogestão local, que foram fundamentais para fazer com que as pessoas pertencentes ao Dunas participassem ativa e efetivamente das relações de poder que lhe constituíram. Para reforçar o discurso, ao final desse período foram entregues ao loteamento importantes equipamentos sociais que ainda hoje estão sob a gestão local via CDD: a Incubadora de Iniciativas de Geração de Renda Coletiva e o Centro Comunitário. Esses equipamentos são ferramentas que têm a clara intenção de dar as condições materiais para o desenvolvimento de práticas que assegurem efetivamente a autonomia e o empoderamento local como elementos de ruptura do conceito de periferia subordinada a um centro de poder.
O terceiro momento se deu entre os anos de 2002 a 2005, por conta do final do PRORENDA Urbano em 2001 e do deslocamento das tomadas de decisões dentro do governo municipal, que aconteciam na Secretaria de Governo e passaram para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico[1]. Nesse momento a maioria dos parceiros estratégicos retirou suas ações do Loteamento Dunas, uns por terem encerrado suas atividades efetivamente, como a GTZ e a METROPLAN, e outros, como a UFPel (Projeto Amizade) e a ONG AMIZ, por não concordarem com o novo posicionamento político do governo municipal que havia assumido em 2001. Esse afastamento que se deu em função de estarem entendendo que começou a se restringir a participação do CDD e dos parceiros na tomada de decisões sobre os investimentos e os recursos de ambiência urbana para o Dunas, principalmente pelo posicionamento da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que colocou o CDD como uma extensão da secretaria e do governo municipal, em uma prática visivelmente instrumental.
Reinaugurou-se uma prática de exercício de poder unilateral a partir da manipulação da informação e comunicação sobre os investimentos locais e os projetos e programas de ambiência urbana. Como exemplo, pode–se ressaltar que a maior experiência desenvolvida no período foi o Banco Dunas, uma instituição de micro crédito implementada em 2003 em parceria entre a Prefeitura (Secretaria de Desenvolvimento Econômico) e o CDD, que durou pouco e se encerrou em 2004 com diversas irregularidades jurídicas e financeiras responsáveis pela quebra do Banco do Dunas .
O quarto momento vai de 2005 até os dias de hoje, quando houve a novo redirecionamento das ações da UFPel/Projeto Amizade a partir do programa Círculos Culturais de Lazer, Saúde e Educação com a comunidade do Dunas via CDD. Era um programa do Governo Federal executado em 2005 pela UFPel (Escola Superior de Educação Física/|ESEF, que teve como objetivo principal congregar numa política comum os projetos de extensão dessa escola, centrados na indissociabilidade do ensino – pesquisa – extensão[2]. Também nesse ano a ONG AMIZ[3] deslocou novamente suas ações para o Loteamento Dunas (havia atuado também em 2001 no PRORENDA Urbano) e junto com o Projeto Amizade e o CDD retomaram articulações antigas deixadas na Perspectiva do PRORENDA Urbano (1996 - 2001), passando a desenvolver juntos diversas atividades de rearticulação local como diagnósticos e planejamentos estratégicos a partir da iniciativa de fortalecer o conselho do CDD. Nesse ano desenvolveram uma Feira de Economia Solidária junto com o POPULARTE (mostra de arte e cultura popular), atividade final do programa círculos culturais da ESEF/UFPel. Nesse ano também desenvolveram a mais expressiva iniciativa comum: a UNIPERIFERIA, uma ONG formada por pessoas da cidade e pelas instituições AMIZ e CDD, colocando em prática a idéia de uma Universidade da Periferia na perspectiva de incentivar práticas que valorizassem os saberes e as culturas locais. Essa iniciativa teve como eixo articulador a experiência de Formação da Rede Vidadania integrando ensino e pesquisa. É retomada a idéia do PRORENDA Urbano de desenvolver programas de desenvolvimento local pautados na participação a curto, médio e longo prazo, um novo marco que coloca na prática um programa de desenvolvimento para o Loteamento Dunas, chamado agora de PRODUNAS, ao invés de PDLI nos primórdios e de PDD ao final do PRORENDA Urbano[4].
Sela-se, então, um novo momento de articulações locais com a celebração em 2006 do Convênio de Cooperação entre as ONGs AMIZ, CDD e UNIPERIFERIA, que foi repactuado novamente em 2011. Essa cooperação foi e é um dos principais componentes e articuladores da microfísica do Loteamento Dunas no período, e teve como objetivo firmar as bases da cooperação técnica, financeira e institucional entre os partícipes para o desenvolvimento do projeto de inclusão digital do Governo Federal - Casa Brasil, aprovado no edital 2005 – Processo 555046/05 do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Execução 2006 / 2010 e renovado para 2011 / 2012)[5]. Tal projeto foi extremamente importante porque disponibilizou e disponibiliza até hoje as condições materiais necessárias para o CDD e seus parceiros estratégicos mais próximos (AMIZ e UNIPERIFERIA), evitarem uma eventual subordinação nas relações de poder, o que fortalece a idéia antiga do PRORENDA Urbano de assegurar a autonomia e o empoderamento do Loteamento Dunas nas relações de poder. Esta é a moldura presente da microfísica do Loteamento Dunas, o que por certo é desdobramento da implementação do PRORENDA Urbano neste território.
Por fim, é importante destacar que os dispositivos (discursos) que interferiram nas relações sociais do Loteamento Dunas, que procuraram ordenar formas e conteúdos de como as relações sociais deveriam ocorrer, não se dão linear e tranquilamente, pois o que vemos é o local que se insurge e cria importantes rupturas neste processo burocrático governamental, constituindo outras formas de empoderamento e participação política bastante peculiar para a população, em especial a partir do fortalecimento e autonomia do Comitê de Desenvolvimento do Dunas e de outros coletivos parceiros. Mesmo que os dispositivos (discursos) procurem sempre conjurar problemas e procurar uma certa unidade que combata a desagregação e a resistência dos grupos envolvidos, o que vemos no processo do Loteamento Dunas, fortalece a idéia de que estes dispositivos não garantem uma coesão social, pois eles são movediços e multilineares, não abarcam sistemas homogêneos, seguem direções diferentes e formam processos em desequilíbrios que se quebram facilmente. Temos então, que a caminhada nas relações de poder do Loteamento Dunas, criou rupturas com os dispositivos (discursos) que procuravam produzir sujeitos conformados a seguirem um caminho único e específico, traçado em especial no processo do PRORENDA Urbano.
Assim, o Loteamento Dunas consegue encontrar suas linhas de fuga que se materializaram, em especial, na constituição de outra instituição organicamente ligada ao CDD, a UNIPERIFERIA, e no seu envolvimento global na Rede mundial do Fórum Social Mundial, o que lhe garante sua existência institucional para além de suas fronteiras locais, escapando assim, por exemplo, da tentativa governamental local, no pós PRORENDA Urbano (final de 2001), de se apropriar do espaço do CDD para fazer uma extensão da prefeitura municipal, e até hoje, o CDD, como representante da população do Loteamento Dunas, se mantém numa condição autônoma e independente do poder público.

[1] O governo municipal neste período (2001 – 2004) esteve sob a gestão do PT – Partido dos Trabalhadores.
[2] Programa desenvolvido por alunos novos e professores que já haviam atuado no PRORENDA Urbano via Projeto Amizade, que nesse mesmo ano, ao final dos círculos culturais, encerrou suas atividades de projeto de extensão (1996 – 2005).
[3] Cabe salientar que AMIZ é nome fantasia e não uma sigla, sua denominação é Unidade de Formação e Capacitação Humana e Profissional, o termo vem do Projeto AMIZade, projeto de extensão da ESEF que operacionalizou o PRORENDA Urbano e recebeu todas e todos os associados fundadores da AMIZ como extensionistas.
[4] PDLI – Programa de Desenvolvimento Integrado. PDD – Programa de Desenvolvimento Dunas. PRODUNAS - Aprovado em abril de 2007 sendo o componente que retoma a perspectiva da autonomia e do empoderamento local oriundos do PRORENDA Urbano. Organiza-se a partir do Conselho Gestor do CDD envolvendo e procurando fortalecer a representatividade local e atua em quatro frentes de ação: a) Ambiência Urbana; b) Educação, Cultura e Lazer; c) Saúde e Segurança Social e d) Tecnologias da Informação e Comunicação, tendo como Eixo Transversal a Geração de Trabalho e Renda.
[5]Vários outros projetos foram desenvolvidos no Dunas ao longo desse período, mas o projeto Casa Brasil foi o mais significativo de todos. O Projeto foi construído e ainda hoje atua em 4 frentes de ação: 1 – Telecentro Comunitário; 2 – Uma Biblioteca e Sala de Leitura; 3 – Um estúdio multimídia; 4 – Um Laboratório de Pesquisa chamado de Observatório de Segurança Social, além de um auditório para 100 pessoas. A AMIZ foi a ONG beneficiada com o edital na primeira etapa, O CDD o parceiro local e ponte com a comunidade do Dunas e a UNIPERIFERIA responsável por articular o empoderamento local e a participação da comunidade do Dunas e de outras instituições locais e globais no projeto. Atualmente o projeto foi novamente contemplado em edital também via CNPQ, mas dessa vez executado pela UFPel – Faculdade de Educação - em parceria com a UNIPERIFERIA e o CDD.