22 de ago. de 2011

1.2. Reflexões


De uma forma geral a territorialidade urbana na cidade de Pelotas e as definições dos respectivos espaços e fronteiras administrativas municipais, no que diz respeito aos loteamentos populares, tiveram sua configuração baseada na lógica de organizar os mais economicamente desfavorecidos longe das áreas centrais da cidade. Esses locais de centro, por terem maior estrutura urbanística e social, são habitados por pessoas mais favorecidas economicamente. Nessa perspectiva os loteamentos populares de uma forma geral vão se constituindo na periferia em relação ao centro da cidade.  No que se refere ao Loteamento Dunas isso não foi diferente, os seus moradores foram sendo deslocados de áreas mais próximas do centro e esses terrenos começaram a ganhar valor de mercado e  a ser adquiridos por pessoas com maior poder  aquisitivo.
Para facilitar a situação, a Prefeitura Municipal, através de seus técnicos e por decisão política respaldada pelo poder legislativo, idealizou um projeto de loteamento popular urbanizado localizado numa área distante do espaço central, em situação de grande precariedade de infraestrutura e deslocamento. Isso influenciou uma migração de pessoas de outros bairros, da zona rural, e também de moradores do centro da cidade, que tendo a sua renda reduzida, foram realocados na periferia por falta de recursos para a compra de imóveis e o custeio dos aluguéis residenciais nas áreas próximas ao centro da cidade.
Para este trabalho não existe um posicionamento geográfico absoluto entre centro (“é aqui”) e periferia (“é ali”), porque nas relações de poder da sociedade há centros dentro das periferias e vice-versa.
Gilles Deleuze (1994) trata as relações entre centro e periferia como relações de multiplicidades que somente possuem determinações e grandezas, de maneira que o centro e a periferia estão intimamente  conectados com os acontecimentos vividos, com as relações de poder, com os conceitos pensados, com os grupos e com as formações sociais. Para o filósofo francês, a sociedade é entendida como um rizoma, cheia de linhas de segmentaridades e fuga, segundo as quais  a relação sujeito – território é estratificada, territorializada e organizada, mas que compreende também linhas de desterritorialização, pelas quais  essa relação foge sem parar.
Logo centro e periferia, com suas linhas de fuga que não param de remeter-se um ao outro, não podem ser entendidos como um dualismo ou uma dicotomia na compreensão das relações de poder, como centro e periferia. Mas é possível partir do entendimento de que é em um território específico de centro ou de periferia que as práticas, saberes e instituições que determinam as relações de poder atuam, definem e exercitam seus interesses e entendimento de mundo, para além da dicotomia centro e periferia.
O sentimento sócio–econômico e cultural dos moradores e moradoras do Loteamento Dunas que ainda hoje prevalece é o de desfavorecimento (i)material. Digo (i)material me referindo às condições materiais objetivas de estruturas de ambiência urbana e social dentro da sociedade em que vivemos, assim como também estou me referindo às condições imateriais como modos de subjetivação, saberes e condução das condutas nas relações de poder.
Mesmo nesta perspectiva cabe salientar que há uma divisão material no que diz respeito as estruturas de ambiência urbana no Loteamento Dunas, uma parte mais favorecida que vai da Rua um a rua nove, onde foram construídas as estruturas institucionais do CDD, da Escola Núcleo Habitacionais Dunas, da Associação de Moradores, da Unidade Básica de Saúde, da Escola Infantil, do Centro Comercial e da Incubadora de Pequenos Empreendimentos. Nesse local prevalece um sentimento de favorecimento em relação ao Loteamento como um todo.
A parte menos favorecida de ambiência urbana vai da Rua dez até a vinte e nove, com muito poucos equipamentos sociais e estruturas de ambiência urbana, ainda que há poucos anos tenha sido construída a Escola de Ensino Fundamental Deogar Soares(gestão 2001 – 2004 PT - Partido dos Trabalhadores), uma das poucas estruturas institucionais dessa área, local onde prevalece o sentimento de desfavorecimento em relação ao Loteamento como um todo.
Os moradores e moradoras do Dunas expressam um sentimento de desfavorecimento em relação ao centro da cidade e até mesmo em relação ao centro do bairro, por conta da ausência de estruturas de ambiência urbana e de desenvolvimento econômico - social.
Tal situação foi potencializada por necessidades políticas nas relações de poder que constituíram o Dunas, porque era preciso justificar o porquê dos grandes investimentos, em especial os investimentos do Prorenda Urbano (1996 – 2001) no Loteamento e não em outro território da cidade com as mesmas condições de desfavorecimento. Essa necessidade política abriu espaço para que midiaticamente se criasse para o Loteamento uma sensação de violência Biopsicossocial[1], em especial pelos meios de comunicação (rádios, programas de televisão e jornais impressos), que incessantemente veiculavam o local como “violento”, onde moram os criminosos mais procurados pela polícia, enfim, uma simples discussão doméstica no Loteamento era tratada como um ato de alta violência. Ainda hoje, mesmo que a moldura tenha sido transformada pelas relações de poder ao longo dos anos, se pode observar tais ocorrências como forma de justificar ou retirar os investimentos no Loteamento Dunas[2].
Por fim, cabe ressaltar que muitos desdobramentos pós Prorenda Urbano podem ser verificados no Loteamento Dunas. O primeiro logo após o final do PRORENDA Urbano, momento conturbado, em função do novo posicionamento político do governo municipal que havia assumido em 2001 (Gestão 2001-2005 Partido dos Trabalhadores). Neste momento vários parceiros estratégicos se afastaram e retiraram suas ações do loteamento, em função de entenderem que começou a se restringir a participação do CDD e dos parceiros na tomada de decisões sobre os investimentos e os recursos de ambiência urbana para o Dunas, principalmente pelo posicionamento da Secretaria de Desenvolvimento Econômico que coloca o CDD como uma extensão da secretaria e do governo municipal, uma prática visivelmente instrumental. Ao contrário do PRORENDA Urbano, inaugurou-se uma prática instrumental de exercício de poder unilateral, a partir da manipulação da informação e comunicação sobre os investimentos locais e os projetos e programas de ambiência urbana para o Loteamento Dunas.
Também pode-se falar do momento que se inicia logo após a gestão do Partido dos Trabalhadores, que se estende até os dias atuais, onde o Loteamento potencializa novamente seu envolvimento autônomo nas relações de poder da cidade e do mundo, outra vez envolvendo diversas instituições públicas, privadas e indivíduos que, a partir da experiência Piloto da Rede Vidadania, colocaram na prática o PRODUNAS – Programa de Desenvolvimento do Dunas,
O PRODUNAS vem se constituindo a partir de 2006 em comum acordo entre a Uniperiferia[3] e o Comitê de Desenvolvimento do Dunas e sua Rede Vidadania[4]. Tem como meta envolver e comprometer organizações governamentais e não governamentais utilizando como referência a metodologia de Planejamento Estratégico Participativo pela GTZ – Sociedade Alemã de Cooperação Técnica -, durante a execução do Projeto PRORENDA Urbano do RS, tendo o Loteamento Dunas como um dos interlocutores.
Seu objetivo geral é potencializar o desenvolvimento autônomo e sustentável do Loteamento Dunas, estimulando a participação das comunidades de suas diferentes áreas territoriais no empoderamento da Organização Local através do CDD – Comitê de Desenvolvimento do Dunas - e também para servir de modelo a outras comunidades/territórios de periferia urbana da cidade de Pelotas.
O PRODUNAS se organiza comunitariamente em quatro Frentes de Ação, sob a articulação do CDD, para dar conta do desenvolvimento autônomo do loteamento. As Frentes de Ação deste programa, que é efeito e desdobramento do PRORENDA Urbano, se organiza em quatro frentes de ação: a) Ambiência Urbana; b) Educação, Cultura e Lazer; c) Saúde e Segurança Social e d) Tecnologias da Informação e Comunicação[5].
A Rede Vidadania é outro efeito e desdobramento das relações de poder constituídas no processo PRORENDA Urbano. Trabalha a perspectiva de que somos construtores e construtoras da nossa própria vida: vidadania, e não necessariamente construtores da cidade: cidadania.  É uma Rede de Atitudes e Proteção da Vida que integra diversas instituições e pessoas, e vem ganhando força e tomando forma a partir da realização de vários Fóruns Sociais Comunitários e convênios, em especial com o Governo Federal, conforme segue:
ñ  Dunas Social e Mundial (Loteamento Dunas – Pelotas em 2001), preparativo ao primeiro Fórum Social Mundial;
ñ  Um Outro Mundo é Aqui (Loteamento Dunas – Pelotas em 2006);
ñ  Fórum Social das Comunidades de Rio Grande (Bairro Castelo Branco - Rio Grande em 2007);
ñ  Fórum Social da Periferia (Loteamento Dunas – Pelotas e região centro e centro sul Rio Grande do Sul em 2008) realizando pela primeira vez e inaugurando a prática de vídeo conferência do Local com o Global, neste ano foi realizada entre Brasil (Loteamento Dunas) e Espanha (Barcelona);
ñ  Fórum Social On Line da Periferia (Em 2009, diretamente de Belém do Pará para periferias do mundo, via conferências on line/web);
ñ  Fórum Social Expandido da Periferia, (Em 2010 e 2011, Organizado pela UNIPERIFERIA), com diversas videoconferências e encontros presenciais daqui de Pelotas para o mundo, tratando da Rede EMCOMUM (Rede Mundial de Comunidades Populares), que foi constituída no Fórum Social Expandido da Periferia em 2010, na perspectiva de conectar comunidades populares do mundo inteiro para troca de experiências e soluções de problemas comuns;
ñ  Cabe ressaltar também a assinatura do Convênio de Cooperação Técnico-Pedagógico realizado em 2006 com a Universidade Federal de Pelotas (UNIPERIFERIA e UFPEL) e a execução do projeto do Governo Federal - Casa Brasil (Edital CNPq 2005 – execução 2006-2009/ONG AMIZ), renovado e agora com a execução a cargo da FAE/UFPel e da UNIPERIFERIA, para ser desenvolvido em 2011- 2012.
Neste contexto o Loteamento Dunas está inserido numa rede que busca garantir espaços educativos públicos e comunitários, presenciais e on line, dentro e fora das rotinas dos sistemas oficiais, inclusive com utilização dos mecanismos informacionais de comunicação a distância para potencializar os recursos culturais, econômicos e de lazer existentes nos espaços públicos, colocando-os a serviço do resgate ou da construção da dignidade das populações e cuidados com o ambiente, valorizando a auto-organização.
Essas são condições fundamentais para dar suporte a ações transdisciplinares que se pautem pela perspectiva de assegurar um desenvolvimento autônomo e sustentável das comunidades de periferia, a partir da participação e do empoderamento nas relações de poder, da geração de informação e comunicação, e da interconexão dos saberes de cada comunidade com saberes de outros lugares das suas próprias cidades, de outras Unidades da Federação e do Mundo, efeito direto e desdobramento das relações de poder quando da implementação do PRORENDA Urbano.


[1]    Violência entendida nos campos da Vida - Saúde, da Psicologia – Pensamento, e do Social – Estruturas de Ambiência Urbana.  
[2]    Um exemplo desta prática que ainda persiste foi o recente o fechamento do ASEMA (Apoio Sócio Educativo em Meio Aberto) pela Secretaria de Cidadania de Pelotas, usando o argumento que a violência havia vencido no Dunas, e por este motivo estava sendo fechado o programa (Diário Popular/ Quarta Feira 29 de abril de 2008).
[3]   È uma ONG formada por pessoas da cidade de Pelotas e pelas instituições AMIZ e CDD, na perspectiva de incentivar práticas que valorizem os saberes e as culturas locais, a partir da experiência de Formação da Rede Vidadania  integrando Ensino e Pesquisa, que pensa programas de desenvolvimento local pautado em planos estratégicos participativos que criem estratégias para curto, médio e longo prazo (www.redevidadania.blogspot.com).
[4]  Rede Vidadania é a ferramenta de informação e comunicação responsável por articular o movimento em curso no loteamento, envolvendo vários gestores públicos, privados e as instituições AMIZ – CDD – UNIPERIFERIA. (www.redevidadania.blogspot.com).
[5] Frente de Ação Ambiência Urbana - Potencializa a Ambiência Urbana do Loteamento Dunas voltada à Educação Ambiental, Urbanização e Habitação Popular para uso da comunidade; II - Frente de Ação Educação, Cultura e Lazer - Potencializa a Arte e a Cultura Local, promovendo a auto-estima e estimulando a autogestão comunitária, oportunizando o desenvolvimento do esporte e do lazer, estimulando o espírito colaborativo e o  respeito às diferenças. III – Frente de Ação Segurança Social e Proteção da Vida - Cria e aprimora estruturas que permitem a capacitação de recursos humanos dos locais para atuarem como observadores e observadoras da Segurança Social e Proteção da Vida na Comunidade, numa perspectiva de diagnosticar a comunidade e seu potencial de segurança social para  prevenir as violências Biopsicossociais do Loteamento Dunas, procurando superar a lógica do vigiar e punir fundamentada na geração do medo e da submissão; e IV - Frente de Ação Tecnologias da Informação – Responsável por trabalhar a inclusão digital e disponibilizar as novas ferramentas da informação e comunicação modernas, assim como elaborar e produzir os materiais promocionais (gráficos e imagéticos) dos eventos sociais, econômicos e culturais da comunidade.