22 de ago. de 2011

2.4. Terceiro Setor


Para finalizar este capítulo faço algumas considerações sobre o Terceiro Setor, tendo em vista que este trabalho focou seu estudo na investigação das práticas e saberes presentes nas relações de poder que constituíram o Comitê de Desenvolvimento do Dunas, uma organização não governamental pertencente ao campo do terceiro setor e atuante no movediço espaço público sem fins econômicos da sociedade contemporânea. Isso considerando a perspectiva de que o primeiro setor é o público (Estado) e trata dos assuntos públicos – de todos, e o segundo setor é o privado (Mercado) e trata de assuntos privados. Grosso modo o terceiro setor de uma forma geral é o espaço não governamental e sem fins econômicos[1] das relações de poder que constituem a sociedade hoje.
Após a Segunda Guerra Mundial a expressão ONG - Organização Não-Governamental - é criada como campo do terceiro setor. O termo inicialmente estava associado à Organização das Nações Unidas e se referia a um universo de instituições que não representavam governos, mas tinham presença significativa em várias partes do mundo, tais como Organização Internacional do Trabalho, Cruz Vermelha   e UNESCO, entre outras.  
Na América Latina as ONGs tiveram outros processos de desenvolvimento, no Chile e no Brasil encontraram seu campo de atuação a partir da resistência aos regimes políticos militares vigentes nos anos 1970 e parte dos anos 1980. Nesse período surgem ONGs de luta contra o regime político e de luta por direitos e condições mínimas de sobrevivência cotidiana, no que diz respeito às necessidades básicas.
Nos anos 1990, o cenário das ONGs latino-americanas se altera profundamente. A mudança das formas de financiamento, a escassez de recursos e a mudança interna nos seus critérios de gestão criaram a necessidade de garantir recursos próprios e lutar pelo acesso aos fundos públicos. As ONGs passaram a buscar  auto-suficiência financeira e tiveram na economia informal uma das principais áreas de desenvolvimento. Com isso as atividades de militância política, via pressões sociais, passaram para segundo plano e as atividades produtivas ganharam centralidade no dia a dia das ONGs (PEREIRA, 2006).
     A definição de instituições de terceiro setor considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) se pauta a partir de sua estrutura/personalidade jurídica: ser ou não ser governo, ter ou não ter fins econômicos. Nesta perspectiva uma instituição de terceiro setor é uma organização não-governamental constituída por qualquer grupo de pessoas (que não faz parte do governo) em nível local, nacional ou internacional, e que desenvolve um trabalho sem fins lucrativos.
A expressão ONG também foi cunhada pela ONU no final da década de 1940 para designar entidades não-oficiais que recebiam ajuda financeira de órgãos públicos para executar projetos de interesse social dentro de uma filosofia de trabalho denominada desenvolvimento de comunidade. As ONGs possuem atualmente um campo de atuação no qual, ao longo da última década, sua proliferação e papel aumentou consideravelmente.
As ONGs brasileiras começam a surgir a partir da década de 1960 e a se proliferar na década de 1980, caracterizavam-se no início por uma existência quase clandestina, ligada aos movimentos sociais de base, às igrejas e aos movimentos sindicais populares. Elas são microorganismos do processo democrático e são referências de inovação e criação de novos processos. Elas não têm a proposta de substituir o papel do Estado, não visam à acumulação de capital através de lucro e, muito menos, pretendem substituir os agentes sociais da realidade (Material Complementar GTZ – Módulo IV – ONGS, 2000).
Na perspectiva do PRORENDA Urbano que será tratado no próximo Capítulo desta Dissertação, pensar a sociedade e suas relações de poder como um todo sem pensar a atuação das ONGs não é um pensar e fazer coerente com as relações de poder da sociedade hoje.  A parceria com as ONGs tem sido a melhor alternativa encontrada para a gestão dos temas do desenvolvimento social e econômico da sociedade como um todo.
A concepção dada pelo PRORENDA Urbano para o tema do terceiro setor é que as ONGs são
Organizações formais, privadas, porém com fins públicos e sem fins lucrativos autogovernadas e com participação de parte de seus membros como voluntários, objetivando realizar mediações de caráter educacional, político, assessoria técnica, prestação de serviços e apoio material e logístico para populações-alvo específicas ou para segmentos da sociedade civil, tendo em vista expandir o poder de participação destas com o objetivo último de desencadear transformações sociais ao nível micro (cotidiano) ou macro (global)” (Material Complementar GTZ – Módulo IV – ONGS, 2000).

Há vasto material sobre o terceiro setor e ONGs, mas de uma forma geral, ainda que pesem as diferentes compreensões sobre o tema, se apóiam no dualismo Estado (público - primeiro setor) e Mercado (privado - segundo setor) como referência para a compreensão do terceiro setor, este entendido como o campo de atuação ainda movediço entre o público e o privado. Aqui destaco alguns entendimentos:
     Jeremy Rifkin (1994), no seu livro “O Fim dos Empregos”, afirma: o Terceiro Setor, também conhecido como setor independente ou voluntário, é o domínio no qual padrões de referência dão lugar a relações comunitárias, em que doar do próprio tempo a outros toma o lugar de relações de mercado baseadas em vender-se a si mesmo ou seus serviços a outros. Relaciona o Terceiro Setor a qualquer atividade comunitária voluntária.
     Rubem César Fernandes (1994), em seu livro “Privado, porém Público - O Terceiro Setor na América Latina” entende que o terceiro setor deve buscar interações positivas com o Estado e, para isso, deve buscar a independência em relação a este quanto ao financiamento de suas atividades. Além disso, para ele, na América Latina o conceito de terceiro setor está muito ligado a uma dupla negação: não-lucrativo e não-governamental.
     Na perspectiva crítica o terceiro setor é produto – efeito dos Movimentos Populares, através principalmente da Educação Popular e da Educação Comunitária, constituindo instituições que atuam no campo da cultura política e dos valores de uma sociedade. Nesta orientação as ONGs constituem-se sem o perfil da caridade ou da filantropia, mas com princípios, métodos, objetivos e focos de atuação bastante diversos, tendo como eixo articulador a autonomia e o empoderamento social.
Para esta Dissertação sociedade é o conjunto constituído pelos saberes, práticas e instituições que determinam o cotidiano em que vivemos a partir do interesse de determinados grupos que operam o status quo. Isso significa que as relações de poder que determinam essa sociedade operam tanto pelo público como pelo privado, e no privado se difere pelo fato de ter ou não fins econômicos. Assim, mais importante que analisar as concepções, idéias e as separações dos setores da sociedade (primeiro – segundo – terceiro), é analisar as táticas e as estratégias do jogo de poder que envolve governo e governados como um todo, e determinam o cotidiano em que vivemos.
 Entretanto é importante ressaltar que recentemente as ONGS que constituem o terceiro setor passaram a ser entendidas e mensuradas também como um setor específico da economia, revelando sua importância e interesse tanto social quanto econômica. E que estas instituições da sociedade civil sem fins lucrativos que realizam atividades de caráter público são uma realidade, e cada vez mais vêm se consolidando e assumindo espaço na sociedade.


[1]    Sem fins econômicos significa que no balanço fiscal anual da instituição, se houver sobras, essas não podem ser divididas entre os associados, precisam ser reinvestidas nos objetivos e metas da instituição.