22 de ago. de 2011

2.2. Genealogia do Poder


Para falar em poder na perspectiva foucaultiana é necessário analisar sua genealogia do poder, não como algo que se possa agarrar facilmente, mas  como exposições e indicações em que pouco importa um fim determinado/específico, mas é a tática para ir de encontro às tradicionais análises da sociologia clássica, que partiram para a elaboração de seus modelos através de princípios epistemológicos segundo os quais o objeto dotado de realidade social não equivale a um objeto sociológico.
A genealogia do poder é uma crítica ao saber científico como verdade absoluta, crítica a paradigmas rígidos que se expressam por efeitos de poder, que proíbe que se recorra a métodos tidos como não científicos. A genealogia caracteriza-se, poderia se dizer, por uma eficácia de ofensivas dispersas e descontínuas de saberes locais e “desqualificados” frente a um saber científico e hegemônico. Dessa forma, é construída uma critica aos sistemas globais de explicações sociais, econômicas, políticas. 
Pensar a partir da genealogia do poder é colocar a crítica num caráter local sem  deixar de levar em consideração as multiplicidades de relações gerais que interpenetram o empirismo, pois são possíveis e efetivamente existem formas de agir que não sejam puramente economicistas ou repressivas. A crítica com caráter essencialmente local que Foucault pretende autorizar diz respeito à produção teórica autônoma, de maneira que se possa partir de uma realidade local, até mesmo vivencial, sem que seja necessário respeitar qualquer discurso que a legitime, ou que pelo menos sirva como elemento para que se possa compreender as relações de poder e o sistema de “verdade científica” na qual estamos inseridos.
Outra característica importante da genealogia do poder foucaultiano é a insurgência do saber dominado, que se processa a partir da problematização dos saberes comuns com o saberes científicos. Mesmo com os conflitos da vida moderna, é possível insurgir-se às sistematizações formais que mascaram um objetivo estratégico das relações de poder, que é perpetuar-se no exercício dele. A genealogia propõe discutir em nome de quem e do que o discurso científico permite-se e se impõe hegemonicamente, Quais são os mecanismos criados pelo próprio poder que servem para a implementação de uma sociologia da delinquência já na infância, moldando-se os corpos desde muito cedo?
Por saberes dominados diz Foucault, em primeiro lugar, que são os conteúdos históricos que foram sepultados no confronto das lutas que as organizações funcionais ou sistemáticas deixaram escondidas do historicismo, como se nunca houvesse acontecido o embate, o confronto de forças e interesses querendo impor-se. Nas relações de poder em determinado momento houve estratégias que se sobrepuseram a outras, sepultando as demais.
Esse jogo de verdade, muitas vezes como estratégia consciente, simplesmente cala-se frente à crítica com o deliberado objetivo de não se embater a cada momento com as multiplicidades de saberes que são produzidos por pessoas comuns e fora dos sistemas científicos de produção da verdade.
Em segundo lugar, por saber dominado deve se entender os saberes que foram desqualificados como não componentes de um determinado sistema, insuficientemente elaborados por não terem seguido uma ordem de discurso, ou por não fazerem parte de um saber científico, ou ainda simplesmente (mesmo dentro de um sistema) por serem hierarquicamente inferiores.
Diz Foucault que a moldura das relações de poder pode vir a ser modificada a partir do ativamento desses saberes inferiores e desqualificados (do doente, do louco e de todos marginais), um saber das pessoas, o que não quer dizer de forma alguma um saber comum ou um bom senso, mas uma episteme diferente, incapaz da unanimidade. A crítica para Foucault parte sempre de um ponto local, de uma microfísica da realidade para que então se possa problematizar os sistemas globais e o que está colocado ou construído cultural ou historicamente como verdadeiro e absoluto.
Nesses termos seriam possíveis intervenções nas relações microfísicas do poder, intervenções capazes de superar ou impor-se a um poder–saber que pretende perpetuar seu exercício. Não há fórmulas ou ideologias acabadas para serem executadas em nome de uma episteme científica, em nome de um poder que se impõe de maneira totalitária numa relação, o que há é a possibilidade da criticar as instituições, as práticas e os discursos. A genealogia serve para desmascarar discursos dados como científicos, mas que de uma forma geral estão dentro de um jogo de interesses muitas vezes atrelados a um empirismo obtuso que acredita ou sugere que nada pode ser feito ou modificado.
A genealogia do poder é um projeto que tem como plano de ação colocar o saber singular das pessoas e dos locais em pé de guerra ou  de igualdade com o conhecimento científico, dizendo a todos os ventos que esses saberes considerados desqualificados são saberes que necessitam ser ativados e insurgidos, proferindo verdades a partir de sua microfísica de poder, atacando o discurso científico, que continua se esforçando par manter os sistemas centralizadores e institucionais de poder, para legitimar seus discursos e continuar proferindo o sistema natural das coisas, a fim de controlar os caminhos que o indivíduo e o social devem seguir.